PARECER JURÍDICO SOBRE A ILEGALIDADE DA COBRANÇA COMPULSÓRIA DE 10% EM BARES E AFINS EM GOIÂNIA PELA ÓTICA DO DIREITO DO CONSUMIDOR
Marcos de Oliveira Assunção [i]
Introdução
Primeiramente, deve se falar que a lei 8.334/2005 em seu artigo 1º, diz que os estabelecimentos ficam autorizados a cobrarem 10%, a título de taxa de serviço, sobre as consumações ou faturas das despesas efetuadas pelos clientes. Ressalta-se que em momento algum a referida norma diz que o consumidor é obrigado a pagar. Gorjeta é um dinheiro que se paga separadamente ao garçom pelo seu serviço bem feito e como tal, deve ser paga separadamente e diretamente ao garçom.
Deve-se destacar que quem é obrigado a pagar uma remuneração ao garçom é o empregador dele. E não o consumidor. O Consumidor tem a obrigação de pagar sua fatura de serviços, onde ali o comerciante cobra livremente pelos produtos ofertados em seu estabelecimento, onde compõe neste preço todas as despesas do estabelecimento, como aluguel, aquisição de produtos, tarifas públicas, tributos, salário de funcionários, etc. Assim, a cobrança de 10% deve ser encarada como um mero desejo do cliente (consumidor), em retribuição aos bons serviços prestados. Da mesma forma, se o serviço não tiver atendido às suas expectativas, não há motivo para se falar em gratificação. Ainda que o estabelecimento informe antecipadamente sobre a taxa, o pagamento continua opcional.
A cobrança na ótica do Código de Defesa do Consumidor
Por não existir atualmente lei federal que obrigue o consumidor a pagar gorjeta, qualquer valor pago a mais por este será mera liberalidade. Vale dizer, no momento de pagar a conta, qualquer adicional eventualmente pago pelo consumidor advirá de sua própria vontade, como mera doação por um serviço que este entendeu ter sido prestado de maneira diferente. Fica claro, portanto, que a cobrança da gorjeta de forma obrigatória, retirando do consumidor a escolha de decidir se o funcionário que o atendeu merece a doação, é ilícita e abusiva, sendo, conforme o caso, crime passível de indenização por danos morais.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, III, elege como direito básico o direito à informação. Portanto, todas as características, preço, composição, qualidade e os riscos no fornecimento do serviço deverão ser conhecidos pelo consumidor, mesmo quando são meras faculdades, como o caso. A exigência compulsória do percentual de 10% é considerada como prática abusiva, conforme artigo 39, V, do Código de Defesa do Consumidor. A cobrança ainda retira do consumidor seu livre arbítrio e expondo-o a situações vexatórias ou constrangedoras, configura crime previsto no artigo 71 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), bem como ato ilícito passível de indenização por danos morais.
A questão dos 10% não se restringe ao aspecto legal de ser proibida ou não. Hoje, por hábito, distração ou constrangimento, muitos consumidores concordam em pagar, ou seja, o que deveria ser voluntário torna-se obrigatório pela nossa postura resignada. A gorjeta é uma construção cultural, coletiva. Pode ser usada, inclusive, como um mecanismo para aperfeiçoamento da prestação de serviços em bares e restaurantes. Deve ser espontânea e não obrigatória. Além disso, estima-se que muitas vezes a gorjeta nem chega às mãos dos garçons. Ela fica no meio do caminho, nas mãos dos proprietários dos estabelecimentos.
Alguns estabelecimentos equivocam o consumidor e colocam em seus cardápios a informação de “legalidade” da cobrança da gorjeta, invocando para tanto artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em que pese à citação de tais artigos, estes de nada valem para o consumidor uma vez que a CLT regula as relações trabalhistas entabuladas entre patrão e empregado, e não entre estes e os consumidores.
Ora, se não existe uma lei que possua a previsão legal para o pagamento obrigatório da taxa dos 10%, então, sua cobrança só pode ser no sentido de uma taxa que se paga opcionalmente, mas, jamais, de forma cogente (obrigação-dever). Geralmente se paga quando o consumidor se sente bem atendido e/ou que gostou do que bebeu, comprou, comeu.
Historicamente, essas taxas foram criadas, com base no artigo 457 de CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, que diz:
“Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.” (grifo meu).
Elaboradas que foram, para que o funcionário receba o seu salário com a gorjeta dada pelo cliente. Entretanto, isso é ilegal. Quem deve pagar o salário do garçom é o patrão. Gorjeta no Brasil é ato voluntário e não obrigatório.
Considerações Finais
Conclui-se que a cobrança dos 10% pelos estabelecimentos comerciais de forma compulsória não possui previsão legal, tendo somente a previsão na cultura, o que deixou de ser atribuída pela qualidade do atendimento, ou do serviço prestado, mas por uma obrigação, não importando a satisfação do consumidor.
É necessário rever a cultura dessa cobrança, tornando o pagamento da mesma de forma livre, sem constrangimentos, de forma satisfatória com a qualidade do serviço prestado nos estabelecimentos, valorizando o trabalho de quem o exerce com educação, presteza e gentileza.
Goiânia, 04 de janeiro de 2011.
[i] Advogado, Assessor Jurídico Procon Goiânia, Presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-GO, Pós Graduado em Direito do Consumidor pela LFG/Uniderp, Associado da Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor).
LEI MAIS SOBRE ESTE TEMA CLICANDO AQUI >>> A inconstitucionalidade da Lei Municipal de Goiânia nº 8.334/05 (Lei que regulamenta a cobrança compulsória de 10% em bares e outros no Município de Goiânia)