Analisa a pertinência do pleito de dano moral pela negativação do consumidor, mesmo que lícita a inclusão nos cadastros restritivos ao consumo, pelo simples fato de o consumidor não ter sido cientificado dessa negativação.
Na atual ordem constitucional, a defesa do consumidor foi erigida a um dos princípios basilares da ordem econômica e financeira nacional, atenuando a liberdade de mercado quando ela se tornar maléfica seja pela concorrência desleal ou pelas práticas abusivas que podem decorrer desse sistema liberal (art. 170, inc. V e IV da C.F./88).
Não obstante, com a intensificação das práticas consumeristas e reiteradas violações e arbitrariedades ocasionadas no mercado de consumo, é que o legislador constituinte, ciente que o consumo é um instrumento pelo qual se materializa a dignidade humana, já que envolve toda uma gama de necessidades essenciais, sem o qual a pessoa não pode se desenvolver plenamente no mundo social, teve o cuidado de erigir, em nível de cláusula pétrea, o direito à defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF), não podendo, neste lanço, tal direito ser suprimido ou mesmo diminuído.
Destarte, a política do Código de Defesa do Consumidor não pode ser outra que não a busca mais efetiva possível de proteger o consumidor e tutelar seus direitos, pois é o hipossuficiente, a parte vulnerável nas relações de consumo, não podendo ficar a mercê de práticas abusivas e lesivas de fornecedores, quer seja de produtos ou serviços, sem ter meios idôneos e eficazes de se defender e ver seus lesadores sendo responsabilizados por tais condutas danosas. Desta feita, é axiomático concluir que qualquer lesão ao consumidor ocorrido nas relações de consumo deve ser amplamente corrigida e sanada, de modo a prevenir que ocorra outras vezes e ressarcir os danos implementados ao consumidor. Neste lanço é que o C.D.C. esculpiu como direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos morais no artigo 6º, VI.
Visando tutelar os bancos de dados e cadastros de consumidores, e a inserção do nome do consumidor nesses arquivos, pois é cediço que tal providência gera danos, por vezes, incalculáveis ao consumidor, tais como óbices ao consumo, fim do crédito, lesão ao seu nome, sua honra, sua imagem e boa fama, podendo gerar efeitos deveras draconianos aos direitos próprios da personalidade humana, o Código de Defesa do Consumidor trouxe uma seção específica a esse assunto. O artigo 43 e parágrafo 2º, da seção VI, inserido no capítulo V (das práticas comerciais), do diploma em questão prescreve:
Art. 43. “O consumidor, sem prejuízo do exposto no artigo 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre suas respectivas fontes.
§ 2º. A abertura de cadastro, ficha, registros e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicado por escrito ao consumidor, quando não solicitado por ele.” (grifo nossos).
Atento a isto é que se deve ter muito cuidado na inclusão do nome do consumidor em tais listas, exigindo-se acuidade acima do necessário, pois a inserção de um consumidor idôneo e que cumpre regularmente com suas obrigações nos referidos arquivos lesa o direito do consumidor viver em sociedade, sendo um dano, por vezes, muito maior que qualquer dano patrimonial.
Nesses termos é que se pronuncia a doutrina mais autorizada no assunto, pois são exatamente estes os dizeres de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin [1] já que é um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor:
“A idoneidade financeira sempre foi - e cada vez mais é – um componente essencial da honorabilidade do ser humano. Representa o próprio ar que respira o homo economicus, que dele destituído perece por asfixia, levando consigo parte substancial da cidadania de cada indivíduo e inviabilizando o usufruto de outro interesse primordial reservado pela Constituição: a qualidade de vida... uma vez negativado, com seu crédito aniquilado, são remotas, para não dizer inexistentes, as possibilidades de o consumidor exercer tal prerrogativa constitucional, pois vivemos num modelo de sociedade – a de consumo – impregnado pela regra de que os bancos de dados têm sempre a última palavra no momento da contratação.... Na sociedade de consumo, o consumidor não existe sem crédito; dele destituído, é um nada”.
Outra não é a posição do Superior Tribunal de Justiça: “Inegável a conseqüência danosa para aqueles cujos nomes são lançados em bancos de dados instituídos para o fim de proteção do crédito comercial ou bancário”. [2]
Todavia, não visamos tratar aqui da reparação do dano moral pela inserção indevida do nome do consumidor nos cadastros de proteção ao crédito, pois esse já foi deveras debatido nos tribunais e na doutrina, sendo uma decorrência lógica da violação a direitos personalíssimos. O que visamos com o presente trabalho é tratar do dano moral na inserção do nome de um consumidor em tais cadastros sem o prévio aviso desse arquivamento a ele, mesmo que contra o consumidor se tenha título executivo ou qualquer outro documento que demonstre a impontualidade do consumidor, o que tornaria lícita a inclusão.
Seguindo na linha proposta, lembra-se que o supracitado § 2º, do artigo 43, do Estatuto do Consumidor ordena a comunicação ao consumidor, por escrito, da abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo, quando não solicitado por ele. Por conseguinte, apenas o fato da não comunicação já geraria a responsabilidade por violar um direito expresso no C.D.C., que é o de informação, sendo um dos princípios pelo qual se norteia a Política Nacional de Consumo, no artigo 4º, inciso IV e um dos direitos básicos do consumidor, esculpido no artigo 6º, inciso III, ambos do Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, a não observância das regras do art. 43, mormente impedir o acesso às informações, lembra João Batista de Almeida, “constitui infração administrativa, da mesma forma que pode gerar responsabilização penal (art. 72 e 73) e abrir ensejo à incidência da tutela civil, para possibilitar o acesso às informações, sua correção e o pleito indenizatório por danos materiais e morais”. [3]
Essa também é a visão da jurisprudência [4]: “Não basta que a anotação seja verdadeira. É preciso comunicá-la ao consumidor, para que ele, ciente da mesma , não passe pela situação vexatória de tomar conhecimento através de terceiro, recusando conceder-lhe, em razão dela, o pretendido crédito”.
O que se quer, em síntese, com o dispositivo em questão, é atribuir ao consumidor a possibilidade de evitar transtornos e danos patrimoniais e morais que lhe possam advir dessas informações, quer sejam corretas ou incorretas, pois lhe dariam a chance de se defender ou mesmo adimplir suas obrigações, expurgando a pecha que lhe seria imposta pelo arquivamento de pessoa desonrada e que não cumpre com suas obrigações.
Destarte, o direito de ser comunicado de que um arquivo está sendo aberto sobre si, é um direito básico decorrente, também, da própria Carta Magna, artigo 5º, inciso X, pois está na iminência de devassar a vida privada, a honra e a imagem do consumidor, já que esses dados poderão ser utilizados por outros fornecedores, estranhos a relação de consumo originária e que deu ensejo a tal abertura de arquivo.
O interesse que o consumidor tem de ser comunicado, repita-se, nasce com o fim de evitar que se arquive informações sem que o consumidor saiba e, por isso, o impeça de tomar medidas para evitar que isso ocorra e gere danos mais gravosos à sua pessoa, pois, caso soubesse, o consumidor poderia evitar o arquivamento pagando a dívida ou provando que ela já foi paga, como seria o desfecho da maioria dos casos, evitando situações por demais constrangedoras de ser impedido de efetuar compras, de efetuar o pagamento com cheque, de obter créditos, prazos, financiamentos, tendo prejuízo para as suas atividades pessoais e até profissionais, sendo, em última análise, impedido de realizar as ações próprias de exercício da dignidade humana.
O próprio Superior Tribunal de Justiça [5] em voto proferido pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira baliza tal entendimento: “Nos termos da lei, efetivamente necessária a comunicação ao consumidor de sua inscrição no cadastro de proteção ao crédito, tendo-se, na ausência dessa comunicação, por reparável o dano moral oriundo da indevida inclusão... É de todo recomendável que a comunicação seja realizada antes mesmo da inscrição do consumidor no cadastro de inadimplentes, a fim de evitar possíveis erros”.
Iterativa é a jurisprudência formada no Superior Tribunal de Justiça conforme se depreende do Recurso Especial nº. 28540/SP que aponta a mesma direção:
“SERASA. Inscrição de nome de devedora. Falta de comunicação. A pessoa natural ou jurídica que tem o seu nome inscrito em cadastro de devedores tem o direito de ser informado do fato. A falta dessa comunicação poderá acarretar a responsabilidade da entidade que administra o banco de dados”.
O entendimento do ministro relator Ruy Rosado de Aguiar, ao proferir o seu voto nesse REsp brilhantemente resumiu a questão:
“A autora tinha o direito de ser informada da inscrição do seu nome nos arquivos do SERASA, iniciativa que é obrigação da entidade administradora do cadastro, pois, desconhecendo a existência do registro negativo, a pessoa sequer tem condições de defender-se contra os males, inúmeros e graves, que daí lhe decorre, e de pedir seu cancelamento ou retificação. É certo que todo registro efetuado por informação de terceiro acarreta também a responsabilidade deste pela inscrição indevida (credor, cobrador etc), mas isso não afasta nem diminui a obrigação do cadastrador pelo que lhe foi indevidamente registrado, nem o exime do dever de informar a pessoa de que trata, preferentemente antes da prática do seu ato, mas sempre antes de qualquer efeito danoso ao titular dos dados”.
É certo que já houve jurisprudência se inclinando pelo fato de que a comunicação se desse por escrito, sendo despiciendo a postalização de carta com Aviso de Recebimento (AR). Todavia, sempre foi o entendimento da jurisprudência que referida comunicação se desse por escrito, na residência do devedor.
Destarte, o exclusivo fato de se cadastrar o nome do consumidor nos serviços de proteção ao crédito, sem comunicá-lo, malgrado se tenha título para isso, gera o dever de indenizar e pode, também sofrer apenamento no âmbito administrativo e penal, pois há tipos específicos sobre a violação do dever de informar na legislação de tutela consumerista. [6]
Não tergiversa Antônio Herman de Vasconcellos, com a autoridade de ser um dos anteprojetistas do Código de Defesa do Consumidor, pois são estes seus dizeres na obra já citada: “qualquer dado arquivado sobre o consumidor, mesmo os que não digam respeito ao seu comportamento no mercado, abre para ele três direitos básicos: a)comunicação de armazenamento; b)acesso; c)retificação. Ausentes qualquer desses direitos, com a insistência do arquivo de consumo em coletar, armazenar ou divulgar as informações infamantes cai por terra a pretensão de exercício regular do direito, invadindo-se o terreno do abuso de direito – ilícito penal, civil e administrativo, pura e simplesmente. Coberto então de ilicitude, o registro dá ensejo ao dever de reparar os danos causados, tanto patrimoniais como morais... O simples fato de deixar de comunicar a inscrição no cadastro dos devedores é grave ato ilícito, que gera, por si só, o dever de indenizar, além do sancionamento administrativo e penal (art. 72)” [7]
Lembra esse autor [8] que a comunicação precisa ser escrita, não valendo o recado oral, ou um telefonema. Ademais, ela também precisa ser feita antes da colocação da comunicação no domínio público, pois só assim é apta a evitar os danos ao consumidor. Não exige a lei que a comunicação seja feita via Aviso de Recebimento (A.R.), basta que haja comunicação escrita. Lógico que o A.R. atenderia mais os anseios da tutela consumerista, pois haveria a certeza de que o consumidor foi cientificado e, de outra parte, faria melhor prova a favor do fornecedor que cumpriu com sua obrigação de promover a comunicação. Todavia, não é prescrição legal.
Não obstante, o Ministério Público Federal ajuizou uma outra Ação Civil Pública, na Seção Judiciária de São Paulo, sob o número 200161000322630, em face da SERASA, visando com que os consumidores a serem incluídos no seu cadastro e os que já estivessem incluídos fossem informados pela mesma através de Carta Registrada de mão própria com Aviso de Recebimento, aguardando-se prazo mínimo de 15 (quinze) dias, após a notificação, para que o eventual lançamento naquele cadastro seja realizado.
Esta Ação Civil Pública foi julgada procedente pelo qual se torna imperativo em todo território nacional, haja vista que a ação foi proposta na Justiça Federal, tornando-se assim prescritivo que o SERASA/SA remeta carta registrada com mão própria com aviso de recebimento, aguardando-se prazo mínimo de quinze dias para que o eventual lançamento naquele cadastro seja lançado, sob pena de ofensa à coisa julgada e cominação de multa de até cinco mil reais, conforme fixada na própria sentença.
É cediço que a sentença em Ação Civil Pública faz coisa julgada “erga omnes”, ou seja, se estende à todos, nos termos do art. 103, I e III do CDC e art. 16 da Lei 7347/85 e como a ação foi proposta na Justiça Federal e aí julgada procedente, sua base territorial é todo o território nacional.
Neste lanço, o simples fato da negativação sem que o negativado tenha ciência dessa inclusão, mesmo que seja lícita, gera, por si só, o direito subjetivo de se socorrer ao Judiciário e pleitear uma indenização, haja vista a lesão a sua honra e imagem.
[1] Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pellegrini Grinover.... 6ºed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 346 e 351.
[2] STJ, 4º Turma, REsp nº 168934-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 24.6.98, DJU 31.8.98.
[3] A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 97.
[4] TJRS, 5º Câm. Cív., Ap. Cív. nº 597.118.926, rel. Araken de Assis, j. 7.8.97, BAASP 2044/481.
[5] STJ, REsp nº 165.727, rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, j. 16.6.98.
[6] Artigo 72 da Lei 8.072/90: “Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano”.
[7] Ob. Cit., p. 391,0392 e 401.
[8] Ob. Cit., p. 397-400.
Não obstante, com a intensificação das práticas consumeristas e reiteradas violações e arbitrariedades ocasionadas no mercado de consumo, é que o legislador constituinte, ciente que o consumo é um instrumento pelo qual se materializa a dignidade humana, já que envolve toda uma gama de necessidades essenciais, sem o qual a pessoa não pode se desenvolver plenamente no mundo social, teve o cuidado de erigir, em nível de cláusula pétrea, o direito à defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF), não podendo, neste lanço, tal direito ser suprimido ou mesmo diminuído.
Destarte, a política do Código de Defesa do Consumidor não pode ser outra que não a busca mais efetiva possível de proteger o consumidor e tutelar seus direitos, pois é o hipossuficiente, a parte vulnerável nas relações de consumo, não podendo ficar a mercê de práticas abusivas e lesivas de fornecedores, quer seja de produtos ou serviços, sem ter meios idôneos e eficazes de se defender e ver seus lesadores sendo responsabilizados por tais condutas danosas. Desta feita, é axiomático concluir que qualquer lesão ao consumidor ocorrido nas relações de consumo deve ser amplamente corrigida e sanada, de modo a prevenir que ocorra outras vezes e ressarcir os danos implementados ao consumidor. Neste lanço é que o C.D.C. esculpiu como direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos morais no artigo 6º, VI.
Visando tutelar os bancos de dados e cadastros de consumidores, e a inserção do nome do consumidor nesses arquivos, pois é cediço que tal providência gera danos, por vezes, incalculáveis ao consumidor, tais como óbices ao consumo, fim do crédito, lesão ao seu nome, sua honra, sua imagem e boa fama, podendo gerar efeitos deveras draconianos aos direitos próprios da personalidade humana, o Código de Defesa do Consumidor trouxe uma seção específica a esse assunto. O artigo 43 e parágrafo 2º, da seção VI, inserido no capítulo V (das práticas comerciais), do diploma em questão prescreve:
Art. 43. “O consumidor, sem prejuízo do exposto no artigo 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre suas respectivas fontes.
§ 2º. A abertura de cadastro, ficha, registros e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicado por escrito ao consumidor, quando não solicitado por ele.” (grifo nossos).
Atento a isto é que se deve ter muito cuidado na inclusão do nome do consumidor em tais listas, exigindo-se acuidade acima do necessário, pois a inserção de um consumidor idôneo e que cumpre regularmente com suas obrigações nos referidos arquivos lesa o direito do consumidor viver em sociedade, sendo um dano, por vezes, muito maior que qualquer dano patrimonial.
Nesses termos é que se pronuncia a doutrina mais autorizada no assunto, pois são exatamente estes os dizeres de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin [1] já que é um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor:
“A idoneidade financeira sempre foi - e cada vez mais é – um componente essencial da honorabilidade do ser humano. Representa o próprio ar que respira o homo economicus, que dele destituído perece por asfixia, levando consigo parte substancial da cidadania de cada indivíduo e inviabilizando o usufruto de outro interesse primordial reservado pela Constituição: a qualidade de vida... uma vez negativado, com seu crédito aniquilado, são remotas, para não dizer inexistentes, as possibilidades de o consumidor exercer tal prerrogativa constitucional, pois vivemos num modelo de sociedade – a de consumo – impregnado pela regra de que os bancos de dados têm sempre a última palavra no momento da contratação.... Na sociedade de consumo, o consumidor não existe sem crédito; dele destituído, é um nada”.
Outra não é a posição do Superior Tribunal de Justiça: “Inegável a conseqüência danosa para aqueles cujos nomes são lançados em bancos de dados instituídos para o fim de proteção do crédito comercial ou bancário”. [2]
Todavia, não visamos tratar aqui da reparação do dano moral pela inserção indevida do nome do consumidor nos cadastros de proteção ao crédito, pois esse já foi deveras debatido nos tribunais e na doutrina, sendo uma decorrência lógica da violação a direitos personalíssimos. O que visamos com o presente trabalho é tratar do dano moral na inserção do nome de um consumidor em tais cadastros sem o prévio aviso desse arquivamento a ele, mesmo que contra o consumidor se tenha título executivo ou qualquer outro documento que demonstre a impontualidade do consumidor, o que tornaria lícita a inclusão.
Seguindo na linha proposta, lembra-se que o supracitado § 2º, do artigo 43, do Estatuto do Consumidor ordena a comunicação ao consumidor, por escrito, da abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo, quando não solicitado por ele. Por conseguinte, apenas o fato da não comunicação já geraria a responsabilidade por violar um direito expresso no C.D.C., que é o de informação, sendo um dos princípios pelo qual se norteia a Política Nacional de Consumo, no artigo 4º, inciso IV e um dos direitos básicos do consumidor, esculpido no artigo 6º, inciso III, ambos do Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, a não observância das regras do art. 43, mormente impedir o acesso às informações, lembra João Batista de Almeida, “constitui infração administrativa, da mesma forma que pode gerar responsabilização penal (art. 72 e 73) e abrir ensejo à incidência da tutela civil, para possibilitar o acesso às informações, sua correção e o pleito indenizatório por danos materiais e morais”. [3]
Essa também é a visão da jurisprudência [4]: “Não basta que a anotação seja verdadeira. É preciso comunicá-la ao consumidor, para que ele, ciente da mesma , não passe pela situação vexatória de tomar conhecimento através de terceiro, recusando conceder-lhe, em razão dela, o pretendido crédito”.
O que se quer, em síntese, com o dispositivo em questão, é atribuir ao consumidor a possibilidade de evitar transtornos e danos patrimoniais e morais que lhe possam advir dessas informações, quer sejam corretas ou incorretas, pois lhe dariam a chance de se defender ou mesmo adimplir suas obrigações, expurgando a pecha que lhe seria imposta pelo arquivamento de pessoa desonrada e que não cumpre com suas obrigações.
Destarte, o direito de ser comunicado de que um arquivo está sendo aberto sobre si, é um direito básico decorrente, também, da própria Carta Magna, artigo 5º, inciso X, pois está na iminência de devassar a vida privada, a honra e a imagem do consumidor, já que esses dados poderão ser utilizados por outros fornecedores, estranhos a relação de consumo originária e que deu ensejo a tal abertura de arquivo.
O interesse que o consumidor tem de ser comunicado, repita-se, nasce com o fim de evitar que se arquive informações sem que o consumidor saiba e, por isso, o impeça de tomar medidas para evitar que isso ocorra e gere danos mais gravosos à sua pessoa, pois, caso soubesse, o consumidor poderia evitar o arquivamento pagando a dívida ou provando que ela já foi paga, como seria o desfecho da maioria dos casos, evitando situações por demais constrangedoras de ser impedido de efetuar compras, de efetuar o pagamento com cheque, de obter créditos, prazos, financiamentos, tendo prejuízo para as suas atividades pessoais e até profissionais, sendo, em última análise, impedido de realizar as ações próprias de exercício da dignidade humana.
O próprio Superior Tribunal de Justiça [5] em voto proferido pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira baliza tal entendimento: “Nos termos da lei, efetivamente necessária a comunicação ao consumidor de sua inscrição no cadastro de proteção ao crédito, tendo-se, na ausência dessa comunicação, por reparável o dano moral oriundo da indevida inclusão... É de todo recomendável que a comunicação seja realizada antes mesmo da inscrição do consumidor no cadastro de inadimplentes, a fim de evitar possíveis erros”.
Iterativa é a jurisprudência formada no Superior Tribunal de Justiça conforme se depreende do Recurso Especial nº. 28540/SP que aponta a mesma direção:
“SERASA. Inscrição de nome de devedora. Falta de comunicação. A pessoa natural ou jurídica que tem o seu nome inscrito em cadastro de devedores tem o direito de ser informado do fato. A falta dessa comunicação poderá acarretar a responsabilidade da entidade que administra o banco de dados”.
O entendimento do ministro relator Ruy Rosado de Aguiar, ao proferir o seu voto nesse REsp brilhantemente resumiu a questão:
“A autora tinha o direito de ser informada da inscrição do seu nome nos arquivos do SERASA, iniciativa que é obrigação da entidade administradora do cadastro, pois, desconhecendo a existência do registro negativo, a pessoa sequer tem condições de defender-se contra os males, inúmeros e graves, que daí lhe decorre, e de pedir seu cancelamento ou retificação. É certo que todo registro efetuado por informação de terceiro acarreta também a responsabilidade deste pela inscrição indevida (credor, cobrador etc), mas isso não afasta nem diminui a obrigação do cadastrador pelo que lhe foi indevidamente registrado, nem o exime do dever de informar a pessoa de que trata, preferentemente antes da prática do seu ato, mas sempre antes de qualquer efeito danoso ao titular dos dados”.
É certo que já houve jurisprudência se inclinando pelo fato de que a comunicação se desse por escrito, sendo despiciendo a postalização de carta com Aviso de Recebimento (AR). Todavia, sempre foi o entendimento da jurisprudência que referida comunicação se desse por escrito, na residência do devedor.
Destarte, o exclusivo fato de se cadastrar o nome do consumidor nos serviços de proteção ao crédito, sem comunicá-lo, malgrado se tenha título para isso, gera o dever de indenizar e pode, também sofrer apenamento no âmbito administrativo e penal, pois há tipos específicos sobre a violação do dever de informar na legislação de tutela consumerista. [6]
Não tergiversa Antônio Herman de Vasconcellos, com a autoridade de ser um dos anteprojetistas do Código de Defesa do Consumidor, pois são estes seus dizeres na obra já citada: “qualquer dado arquivado sobre o consumidor, mesmo os que não digam respeito ao seu comportamento no mercado, abre para ele três direitos básicos: a)comunicação de armazenamento; b)acesso; c)retificação. Ausentes qualquer desses direitos, com a insistência do arquivo de consumo em coletar, armazenar ou divulgar as informações infamantes cai por terra a pretensão de exercício regular do direito, invadindo-se o terreno do abuso de direito – ilícito penal, civil e administrativo, pura e simplesmente. Coberto então de ilicitude, o registro dá ensejo ao dever de reparar os danos causados, tanto patrimoniais como morais... O simples fato de deixar de comunicar a inscrição no cadastro dos devedores é grave ato ilícito, que gera, por si só, o dever de indenizar, além do sancionamento administrativo e penal (art. 72)” [7]
Lembra esse autor [8] que a comunicação precisa ser escrita, não valendo o recado oral, ou um telefonema. Ademais, ela também precisa ser feita antes da colocação da comunicação no domínio público, pois só assim é apta a evitar os danos ao consumidor. Não exige a lei que a comunicação seja feita via Aviso de Recebimento (A.R.), basta que haja comunicação escrita. Lógico que o A.R. atenderia mais os anseios da tutela consumerista, pois haveria a certeza de que o consumidor foi cientificado e, de outra parte, faria melhor prova a favor do fornecedor que cumpriu com sua obrigação de promover a comunicação. Todavia, não é prescrição legal.
Não obstante, o Ministério Público Federal ajuizou uma outra Ação Civil Pública, na Seção Judiciária de São Paulo, sob o número 200161000322630, em face da SERASA, visando com que os consumidores a serem incluídos no seu cadastro e os que já estivessem incluídos fossem informados pela mesma através de Carta Registrada de mão própria com Aviso de Recebimento, aguardando-se prazo mínimo de 15 (quinze) dias, após a notificação, para que o eventual lançamento naquele cadastro seja realizado.
Esta Ação Civil Pública foi julgada procedente pelo qual se torna imperativo em todo território nacional, haja vista que a ação foi proposta na Justiça Federal, tornando-se assim prescritivo que o SERASA/SA remeta carta registrada com mão própria com aviso de recebimento, aguardando-se prazo mínimo de quinze dias para que o eventual lançamento naquele cadastro seja lançado, sob pena de ofensa à coisa julgada e cominação de multa de até cinco mil reais, conforme fixada na própria sentença.
É cediço que a sentença em Ação Civil Pública faz coisa julgada “erga omnes”, ou seja, se estende à todos, nos termos do art. 103, I e III do CDC e art. 16 da Lei 7347/85 e como a ação foi proposta na Justiça Federal e aí julgada procedente, sua base territorial é todo o território nacional.
Neste lanço, o simples fato da negativação sem que o negativado tenha ciência dessa inclusão, mesmo que seja lícita, gera, por si só, o direito subjetivo de se socorrer ao Judiciário e pleitear uma indenização, haja vista a lesão a sua honra e imagem.
[1] Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pellegrini Grinover.... 6ºed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 346 e 351.
[2] STJ, 4º Turma, REsp nº 168934-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 24.6.98, DJU 31.8.98.
[3] A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 97.
[4] TJRS, 5º Câm. Cív., Ap. Cív. nº 597.118.926, rel. Araken de Assis, j. 7.8.97, BAASP 2044/481.
[5] STJ, REsp nº 165.727, rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, j. 16.6.98.
[6] Artigo 72 da Lei 8.072/90: “Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano”.
[7] Ob. Cit., p. 391,0392 e 401.
[8] Ob. Cit., p. 397-400.
Fonte - direito net