O Constitucionalismo Termidoriano


No pensamento constitucional, tende-se a chamar de constitucionalismo whig (ou para alguns termidoriano) o processo de mudança de regime político-constitucional lento e evolutivo, mais que revolucionário e radical. É o mote das chamadas transições constitucionais de nossos dias. Não é preciso derramamento de sangue para que haja mudanças, nascendo os regimes políticos gradualmente de dentro dos regimes caducos. 


O constitucionalismo evolutivo é visto por alguns como modelo uma ideologia conservadora de mudanças sociais. Tanto por inspiração inglesa (fonte do constitucionalismo evolutivo dos whigs), quanto francesa (de onde vem a noção do termidorianismo). Trata-se uma forma incompleta de percepção. Toda revolução termina em conservação. E todo constitucionalismo transporta um ingrediente do Termidor. Explico. 
Para os historiadores, a reação termidoriana é a fase de algumas revoluções em que o poder passa das mãos da liderança revolucionária e de um regime radical para grupos mais conservadores que adotam uma linha política que se distancia das propostas originais, chegando mesmo a retomar valores e premissas pré-revolucionários. 



A expressão tem origem na Revolução Francesa, quando o Comitê de Salvação Pública determinou a execução de Robespierre, Saint-Just e de outros líderes jacobinos. Com a Reação, pôs-se fim à fase mais radical da Revolução. O golpe aconteceu de 27 para 28 de julho de 1794 ou 9 Termidor, de acordo com o calendário adotado na Revolução. Daí a denominação. 



Quem ajudou a divulgar essa ideia foi Leon Trótsky. Em seu livro A Revolução Traída, Trótsky se refere à ascensão de Stalin ao poder como a reação termidoriana da Revolução soviética. As promessas do comunismo se converteram, segundo ele, na vontade despótica e burocrática de um homem. 



Certo é que as revoluções acabam se tornando conservadoras. Quando a ruptura com o regime anterior se consuma, os líderes do movimento tendem a institucionalizar o que consideram conquistas do povo, por meio de uma Constituição. A rigidez constitucional, a partir de então, “termidoriza” a revolução. Com ou sem o extermínio dos órfãos dos ideais perdidos, da revolução incompleta. Mas notemos: frequentemente pensamos na “Constituição” como instrumento de transformação social. Deixamos de notar que ela também é o meio reacionário ou, pelo menos, estabilizador das rupturas institucionais. Para o mal ou para o bem.

José Adércio Leite Sampaio é Jurista. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG. Procurador Regional da República. Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara. 
 
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