A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu Habeas Corpus (HC 111442) impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU) em favor de A.F.S. e determinou que seja excluída da sentença de pronúncia (decisão que submeteu o acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri) a qualificadora da surpresa, que impossibilita a defesa da vítima, prevista no inciso IV do parágrafo 2º do artigo 121 do Código Penal, e que eleva a pena máxima para o crime de homicídio de 20 para 30 anos.

Segundo o relator do HC, ministro Gilmar Mendes, a qualificadora que eleva a pena de homicídio quando o crime é cometido “à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido” não é compatível com o dolo eventual, previsto na segunda parte do inciso I do artigo 18 do Código Penal. O dolo eventual ocorre quando a pessoa, assumindo o risco de provocar determinada lesão a bem jurídico, com ela seja indiferente.  
 


“Em se tratando de crime de trânsito, cujo elemento subjetivo restou classificado como dolo eventual, não se pode, ao menos na hipótese sob análise, concluir que tivesse o autor deliberadamente agido de surpresa, de maneira a dificultar ou impossibilitar a defesa da vítima”, afirmou o ministro Gilmar Mendes.
O acidente em questão ocorreu no dia 21 de dezembro de 2005, em Bento Gonçalves (RS). Segundo a denúncia, A.F.S. dirigia embriagado e em alta velocidade e ultrapassou sinal vermelho. A caminhonete que dirigia colidiu com o carro do advogado Luciano Gabardo, que morreu no local. Tanto a defesa quanto os assistentes da acusação apresentaram recurso em sentido estrito contra a sentença de pronúncia, mas o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS) negou provimento a ambos.
No entendimento do TJ-RS, “mesmo que a vítima tenha sido surpreendida, sem tempo de efetuar qualquer manobra para impedir a colisão dos veículos e o resultado morte, essa circunstância, no caso concreto, não tem o condão de qualificar o delito”. Para o TJ-RS, a embriaguez ao volante serviu de meio executório de outro crime, sendo absorvido, pelo simultâneo de homicídio, que é mais grave.
Houve recurso dos assistentes da acusação ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinou a inserção da qualificadora na sentença de pronúncia. Segundo o STJ, “não havendo prova plena que afaste, indubitavelmente, a procedência da qualificadora, mais prudente, nesta fase de juízo de suspeita, a sua manutenção, para que eventualmente seja analisada pelo Conselho de Sentença no julgamento em plenário [Tribunal do Júri]”.
No HC impetrado no Supremo, a Defensoria Pública da União argumentou que a qualificadora não pode ser submetida à apreciação do Tribunal do Júri, em razão de sua “incompatibilidade flagrante” com o dolo eventual. O argumento foi acolhido pelo ministro-relator do HC e pelos demais integrantes da Segunda Turma.
“Entendo assistir razão à defesa, na linha do que nós temos decidido, a despeito de considerar extremamente importantes precedentes desse jaez, em razão de por cobro aos abusos que se perpetram no trânsito, mas aqui me parece incompatível”, concluiu o relator. A ordem foi então concedida para determinar o restabelecimento da sentença de pronúncia, com a exclusão da qualificadora surpresa/emboscada.
VP/AD
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HC 111442
 
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